O que diferentes corpos falam sobre nós? Espetáculos abordam tema na Mostra Lucia Camargo

Em sua 31ª edição, Festival de Curitiba aposta na pluralidade inclusiva das diferenças

Por Adriane Perin - Agência de Notícias Festival de Curitiba.

Corpos podem ser muitos. Corpos dão trabalho. Um corpo pode ser social, político, tecnológico, visível, amado, ferido, odiado, assustador... O corpo é do outro, é meu, é teu. Corpos são gordos, belos, disformes, nus, imperfeitos e se transformam.

O Festival de Curitiba 2023 vem para abrir perspectivas a partir destas diferenças. A nova curadoria quer não apenas discuti-las, mas reconhecer-se nelas para gerar um debate com possibilidades ainda mais amplas.

“Que Brasil a gente quer imaginar e engajar as pessoas a construírem conosco? Um país de maior representatividade!”, disse a produtora Daniele Sampaio, uma das curadoras da 31ª edição do FTC ao lado do jornalista Patrick Pessoa e da multiartista Giovana Soar.

Na Mostra Lucia Camargo são 32 espetáculos com temas que tratam de diferenças e representatividade de pessoas negras, trans, com deficiência, indígenas, de todas as idades e culturas. O desafio foi criar uma programação inclusiva para repelir qualquer hipótese histórica que não admitisse diferenças.

“Ante a tentativa de eliminação do que foge aos padrões, apostamos na potência da convivência das diferenças”, disse Daniele. Ela ressalta, porém, que todos os trabalhos foram escolhidos por excelência artística. “Não se trata de uma cota ou blindagem. Não é porque são produções negras, indígenas ou PCDs mas, sobretudo, é o reconhecimento da excelência que as trazem ao Festival”, disse.

OLHO NO OLHO - Após décadas querendo falar artisticamente sobre seu corpo estranho, a atriz Jéssica Teixeira, da peça E.L.A, viu que a urgência não era só dela. “Não escolhemos nascer no corpo que temos, mas podemos escolher como operar com ele no mundo”, disse.

Acostumada a lidar com a “coreografia”, olhares desviados, ela aprendeu a virar o jogo e chamar a plateia no olho-no-olho. “Este solo é um posicionamento político. Não é sobre mim, mas sobre o outro. Quem nunca se sentiu estranho? A estranheza é inerente à humanidade”, disse.

"O Que Meu Corpo Nu Te Conta?” mostra corpos de vários tipos e origens em relatos confessionais como numa radiografia social. Homofobia, assédio sexual, etarismo, gordofobia, machismo, compulsão, racismo, infertilidade são temas que se misturam e envolvem a plateia em um jogo. “Não é sobre erotismo, é sobre intimidade, sobre desnudar-se e colocar o coração na mão do outro. Há uma tensão porque a plateia fica vulnerável junto com a gente”, disse o diretor de Marcelo Várzea

HAMLET PLURAL - O grande exemplo talvez seja Hamlet, a peça de abertura do Festival, dirigida pela peruana Chela De Ferrari e estrelada por atores com Síndrome de Down em diferentes graus do espectro. Os atores atuam superando as limitações projetadas nas pessoas que fogem do padrão capacitista como gaguejar, decorar o texto ou encarar o público.

Para Giovana Soar, um dos trunfos da peça é nunca colocar os atores no lugar de vítimas. “A beleza desta montagem é aproximar uma obra mítica de um grupo de atores brilhantes que, por acaso, tem Down. Uma criação cênica completa e riquíssima que contribui muito para a linguagem teatral e para as perspectivas de um mundo mais plural”, disse.

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