Por Guilherme Bittar – Agência de Notícias Festival de Curitiba
Companhia de Teatro Heliópolis aborda a presença feminina no contexto do encarceramento. Foto Wesley Barba
Há 22 anos, surgia em São Paulo o grupo que carregaria muito mais que o nome da comunidade onde se baseia. A Companhia de Teatro Heliópolis é da periferia e tem como ponto de partida artístico seu território e suas questões econômicas e sociais para dialogar com o mundo. É o caso também do Museu dos Meninos, que tem sua história ligada ao Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Ambas estarão na Mostra Lucia Camargo do Festival de Curitiba.
A Companhia de Teatro Heliópolis traz à Mostra Lucia Camargo a peça “Cárcere ou Porque As Mulheres Viram Búfalos”. A companhia Museu dos Meninos, por sua vez, estreará no festival o espetáculo “Arqueologias do Futuro”.
Trazemos questões que têm a ver com nosso lugar, mas que vão além e são das humanidades e de toda a sociedade brasileira”, disse Miguel Rocha, diretor de “Cárcere ou Porque As Mulheres Viram Búfalos”.
A violência é tema que permeia as peças da companhia – caso do texto em cartaz no Festival que retrata mulheres que precisam sobreviver tendo os maridos encarcerados. “Nosso desafio é fazer um trabalho não apaziguador. Acontecem crimes na periferia. Existe um contexto histórico e nos interessa discuti-lo, pois é difícil romper a barreira da pobreza e da falta de saúde e educação”.
Questões que vão além da palavra, pois o corpo e o rigor estético são ferramentas importantes na cenografia do grupo. “Buscamos um teatro híbrido, onde o texto não é o carro-chefe, mas os vários elementos que entram em cena como atores, seus corpos e a luz que ressignificam o espaço”.
Já em Arqueologias do Futuro, o diretor e dramaturgo Mauricio Lima é uma espécie de microfone humano das vozes do Complexo do Alemão. Ele evoca a figura do ator MC que, através de alguns desenhos, grafismos e sons, realiza um depoimento a partir de memórias vividas e inventadas e se pergunta sobre o que o corpo fala, quais corpos são vistos e ouvidos e quem tem direito de narrar suas próprias histórias.
A peça nasce do diálogo com as pessoas da comunidade e tem como característica o território.
“Tratamos de questões que são reais, mas também criamos ficções e fabulações. São vidas cheias de poesia, mistério, e questões muito duras que colocamos em cena misturando o documental com outras possibilidades narrativas”, explica Mauricio.
Mas, enfim, existiria um teatro da periferia? Para Miguel, existe o “teatro das periferias”, no plural. “Não é uma periferia só. Os temas se aproximam, mas cada território tem suas próprias questões. Heliópolis, no aspecto econômico e social, está na periferia. Mas na questão de território, estamos no centro”, disse.
O Museu dos Meninos é um projeto autoral de Mauricio Lima. Foto: Diogo Nascimento
Arqueologias do Futuro está diretamente ligada ao Museu dos Meninos, projeto autoral de Mauricio Lima iniciado em 2016. Trata-se de museu virtual (com site e página nas redes sociais) que retrata a vida no Complexo do Alemão, comunidade do Rio de Janeiro.
O artista, que nasceu na comunidade, explica que o museu é uma forma de promover a autonomia sobre a história das pessoas que moram no espaço. “A ideia surge por conta da minha experiência. O que significa ser o que eu era: negro, da favela e homossexual? Havia uma urgência para construir um espaço com autonomia sobre nossas histórias, transformando a necessidade de se manter vivo através de um museu”.
“Cárcere ou Porque As Mulheres Viram Búfalos” terá duas apresentações, nos dias 03 e 04 de abril, às 20h30, no Teatro da Reitoria. “Arqueologias do Futuro” também terá duas sessões, mas ambas no dia 30/03, às 17h e 22h, na Casa Hoffman