Por Sandoval Matheus
Às vésperas de completar 80 anos, no próximo mês de setembro, Leci Brandão, uma das lendas vivas do nosso samba, vê sua história ser contada sob as luzes da ribalta. O musical “Leci Brandão – Na palma da mão”, que venceu o Prêmio Shell de Melhor Direção, é um dos destaques da Mostra Lucia Camargo do Festival de Curitiba, com sessões nos dias 01 e 02 de abril, no SESC da Esquina.
O pioneirismo de Leci na música brasileira é indiscutível. Ela foi a primeira compositora a falar abertamente sobre homossexualidade, por exemplo, ainda nos anos 70, e também a primeira mulher a integrar a ala de autores de uma importante escola de samba do Rio de Janeiro, a Mangueira.
Por telefone, o Festival de Curitiba conversou brevemente com a sambista, que revelou qual é o seu momento preferido da montagem.
Qual é a sensação de ver a sua história contada nos palcos?
É de muita emoção. Nas duas vezes em que eu assisti, chorei muito. Não falta nada na peça, eu não mudaria nada. Fala muito da minha mãe [falecida em 2019], e isso é uma coisa que me emociona.
Algum momento preferido?
Tem uma hora o em que a atriz que me interpreta senta no colo da mãe. Essa foi a parte em que eu mais me emocionei.
No palco, a história é contada do ponto de vista da sua mãe? Como era a sua relação de vocês duas?
Era uma relação de mãe e filha, a melhor possível. Tudo o que eu sei na vida, eu aprendi com a minha mãe. Tudo o que eu não aprendi na escola, eu sei por causa dela.
Parece que o diretor Luiz Antonio de Pilar já tinha a ideia de fazer um tributo à senhora nos anos 90, quando vocês se conheceram durante a novela Xica da Silva [Leci fazia o papel de Severina, líder de um quilombo]. A senhora sabia dessa pretensão?
Na época, foi o Luiz que indicou pro papel na novela, eu nunca tinha feito nada parecido, mas se ele já tinha a ideia de fazer a homenagem, não me falou nada. Eu não lembro. Fiquei sabendo só quando o projeto foi aprovado no edital, faz pouco tempo. Me pegou de surpresa. Tenho quase 80 anos, mas não imaginava ver minha história contada assim.
A senhora preferiu se manter afastada da produção, só viu o espetáculo na estreia, como se fosse apenas mais uma pessoa na plateia. Por quê?
Porque tem outras coisas na vida que me mantêm ocupada. Eu sou deputada por São Paulo [desde 2010], e esse é um trabalho que exige bastante de mim. E tudo sobre a peça aconteceu no Rio. Como estou em São Paulo, ficava difícil.
E como é a vida de deputada?
Eu digo que estou deputada, não sou deputada. Eu sou mesmo é artista. No início, a imprensa me perguntava se no meu gabinete ia ter roda de samba. Se ia ter mulata, ter malandragem. Sabe como é a imprensa, né? Sempre querendo fazer um estereótipo. Mas o meu trabalho como deputada vai na direção daquilo que eu cantei durante a minha carreira, minhas músicas de cunho social.
Pra senhora, que sempre foi uma porta-voz das comunidades periféricas, o que mudou nesses locais dos anos 70 pra cá?
Quando eu comentava o carnaval na Globo, reclamavam, diziam que eu falava muito das comunidades. O pessoal não gostava. Eu fui tirada dos comentários por isso, por falar muito nas comunidades. Agora eu vejo, eu vi este ano, que os comentaristas estão falando das comunidades. Isso foi uma coisa que mudou, parece, pra melhor.
Alguma história marcante com Curitiba?
A primeira vez que eu fui pra Curitiba foi com o Cartola e a Dona Zica. Fiz um show no Teatro Paiol. O pessoal da Fundação Cultural gostava de mim. Também já fui jurada num carnaval de Curitiba. Não lembro o ano. Estou quase com 80, né? Não é mais tão fácil lembrar.