Diretor de “Leci Brandão – Na palma da mão” promete chacoalhar a caixinha de modos contidos dos curitibanos, e convida: “Se sambar, volta pro Rio de Janeiro comigo”

Por Sandoval Matheus

Foto: Annelize Tozetto.

Há poucas semanas, Luiz Antônio Pilar, diretor do musical “Leci Brandão – Na palma da mão” – com duas sessões a partir de hoje, no SESC da Esquina – venceu o Prêmio Shell, a maior distinção do teatro brasileiro. No entanto, não ficou muito impressionado. “Foi legal, mas no outro dia precisei continuar escovando os dentes e pagando contas”, brincou na manhã desta segunda-feira, 01, durante entrevista coletiva no Hotel Mabu.

A honraria que mais o embeveceu, segundo ele mesmo, foi a que recebeu quando a peça estreou no Rio de Janeiro, e a própria Leci Brandão assistiu pela primeira vez à montagem que refaz sua vida, destacando principalmente a relação da cantora com a mãe. “No final, ela disse: ‘Vocês, com todo respeito, conseguiram falar tudo aquilo que eu nunca tive coragem de falar pra minha mãe’. Eu sabia o que ela queria dizer”, lembra, fazendo uma referência à homossexualidade da sambista.

Outro ponto de relevo na obra é a religiosidade. “A Leci, quando estava no fundo do poço, foi consultar um caboclo, que falou pra ela segurar, aguentar o tranco, as coisas iam melhorar. E logo depois melhoraram”, diz. “Hoje, se você parar pra ouvir, todos discos dela terminam com um canto em homenagem aos orixás.”

Durante a conversa com jornalistas e influencers, o diretor fez questão de destacar a pauta negra. “Eu não consigo entender atualmente espetáculos que não tenham pessoas negras. Ou LGBTQIA+”, criticou. “Essa é uma luta minha. Não existe a possibilidade de uma identidade nacional sem a inclusão de todos.”

Luiz Pilar começou a alimentar a ideia de contar nos palcos a vida de Leci Brandão ainda na década de 90, quando era assistente de direção da novela “Xica da Silva”, na TV Machete. Na época, a equipe estava à procura de alguém que pudesse fazer o papel da líder quilombola Severina. “Mas havia uma escassez de atrizes e atores pretos”, conta. “Hoje ainda há, mas já melhoramos.” Leci acabou escalada.

“Desde que entendi, lá atrás, que teria que ser o meu próprio produtor se quisesse mostrar o meu trabalho, percebi também que era sobre essa diáspora, sobre o meu povo, que eu tinha que falar”, rememora. “Nós, artistas negros, não devemos ter medo, ou nos sentir menor, por colocar em cena aquilo em que a gente acredita.”

“A gente nunca vai inventar a roda, mas vai falar do nosso sentimento, da nossa experiência. Ficamos sem falar durante muitos anos. Então, se tem alguma coisa nova na dramaturgia nacional, seja no teatro, na TV ou no cinema, é falar de preto.”

O diretor também comentou a expectativa para a primeira apresentação do espetáculo no sul do Brasil. “Não tenho dúvida de que seremos bem recebidos. Estamos falando de um ícone nacional. A Leci é muito amada no sul.”

No restante do Brasil, “Leci Brandão – Na palma da mão” tem por hábito contagiar plateias ao ponto de transformar teatros em verdadeiros sambões ao fim de cada apresentação. E talvez nem mesmo os modos discretos e contidos – pelo menos, é o que dizem – dos curitibanos possam resistir a isso. “As pessoas só são fechadinhas em caixas até que você chega e dá uma chacoalhada”, ri Luiz. “Quem ficar até o fim, é porque gostou. Se bater palma, adorou. Se sambar, volta pro Rio de Janeiro comigo.”

Redes Sociais