Foto: Matteo Gualda
Por Francisco Mallmann
chão
em el desmontaje, jimena márquez se coloca em cena para um exercício de desmontagem, criando um híbrido entre conferência, documentário e peça teatral. a obra entrelaça o mito de dionísio, acontecimentos biográficos da artista e um documentário que reúne depoimentos de diversas figuras do teatro uruguaio. durante 75 minutos, a artista constrói uma dramaturgia que tensiona os limites ficcionais da própria vida e do teatro nacional uruguaio.
ação
desmontar: cena, mito, biografia, corpo, história, verdade, ficção, texto.
espaço
três cadeiras. uma mesa. uma jarra com água. um copo de vidro. uma taça com vinho. um recipiente com uvas – verdes e roxas. um tambor. um microfone. uma artista. duas telas. algumas folhas de papel. um palco. cento e vinte e cinco poltronas. um teatro – disseram, não sei – um teatro? a vida – o que é, o que pode ser, o que poderia ter sido, o que será depois daqui.
cena
será o teatro um fantasma de si? serão os intérpretes vultos? será o público testemunha de um delírio? estamos reunidos para um exercício de fantasmagoria?
epílogo
vou falar de algo que nunca falei antes, ela disse. preciso fazer um pacto aqui, ela disse. que isto fique para sempre entre eu e vocês, ela disse. alguém aqui não sabe o que é uma desmontagem? ela perguntou. desmontagem é uma autópsia, ela disse. desmontagem é revelar o processo criativo de uma obra já montada, ela disse. desmontagem é assassinar um animal que você gestou enquanto pessoas acompanham o assassinato, ela disse. o que fazemos nós aqui, mexendo na morte? ela perguntou.
tempo
29 de março de 2025. 75 minutos. o ano de 2004. a duração de um mito. a história do teatro. os 43 anos da atriz. o aniversário de curitiba. três reprovações seguidas. a invenção de uma mentira. os dados biográficos encadeados. os trabalhos anteriores. o desejo de atuar.
enredo
ela tenta, três vezes consecutivas, ser aprovada na escola de arte dramática e não consegue. fracassa. fracassa e, assim, realiza em sua (im)possibilidade de (ir)realização isso que quer fazer: atuar. somos testemunhas de sua (ir)realização. somos testemunhas de sua atuação.
método
também aqui, desmontagem. parte por parte, todas as partes. será isso o necessário para se conhecer algo? será isso o necessário para se criar algo?
programa performativo
interromper peças de teatro, subitamente e de maneira propositiva. trajado tal como os artistas em cena: interromper, com teatro, o teatro. ser temido e esperado. ser dionísio contreras em 2004. Ser uma ideia. Ser acontecimento. Acontecer. e, então, desaparecer. Surgir aqui: é real? o que acontece no teatro, é real? mesmo que tenha a duração deste acontecimento, é real? é?
dramaturgia
se disfarçar de si pelo outro. se parecer tanto a si e ser outro. ser outro e voltar a si – outro. jimena márquez nos conta de dionísio, deus do teatro. jimena márquez nos conta de jimena márquez. jimena márquez nos conta de dionísio contreras, performer. dionísio, jimena, dionísio.
segredo
também eu pedi a um deus que não conheço que mudasse minha voz. também eu pedi para ser totalmente outro. também pratiquei outras vezes. também eu tive que entender como ser isso que sou. também eu tive de sonhar outro de mim, alguém que não eu em mim. também eu tive de fazer ficção com essa palavra oca, cheia de possibilidade: eu.
vozes
na tela as memórias: marisa bentancur, jorge bolani, gabriel calderón, leonor courtoisie, andrea davidovics, mario ferreira, dahiana méndez, marianella morena, leandro núñez, coco rivero, césar troncoso e florencia zabaleta.
ética queer
jack halberstam, em a arte queer do fracasso, se debruça a pensar o que pode ser o fracasso em um mundo normativo, capitalista, fóbico, que produz ininterruptamente perdedores e vitoriosos. a arte do fracasso queer, “imagina outros objetivos para a vida, para o amor, para a arte e para o ser”. para onde a rejeição nos leva? quais motivações nos trazem aqui? o que o avesso da vitória, que conhecemos tão bem, nos oferta em matéria dramatúrgico-performativa?
gênero
penso aqui nas derivações que o termo “montaria” tem nos contextos de dissidência de gênero. drag queens, drag kings, artistas da cena, rainhas da noite, bichas festeiras, todas elas: montadas. e se a desmontagem for um dispositivo de gênero para uma despossessão de si? sua imagem, sua história, as coisas que fez quando imaginou fazer, as coisas que não fez e faz aqui, as coisas que diz fazer. as palavras.
imagem
depois de inteiramente desmontado, o tambor já não soa. o que se escuta, então? a reverberação do que foi? o som do que virá?
metamorfose
se um nome é um acordo, o que acontece quando o desfazemos? se um corpo é uma invenção, quem está inventando quem – agora?
direção
nós estamos aqui. não há linhas retas. estamos pactuando, a todo momento. para que haja continuidade. eu finjo que finjo que finjo que finjo. e você também.
memória
ela narra um acontecimento, e depois o desmente. como se a memória se (des)fizesse a cada instante, habitada pelo desejo – e se? toda lembrança, sim, é um ato de ficção. e todo esquecimento, sim, será uma maneira de experimentação.
som
espero que alguém me escreva, um dia, dizendo que é dionísio contreras, ela disse.
El desmontaje foi apresentado no Festival de Curitiba, nos dias 29 e 30 de março
Ficha Técnica:
Texto: Jimena Márquez;
Direção: Luz Viera;
Em Cena: Jimena Márquez;
Depoimentos: Marisa Bentancur, Jorge Bolani, Gabriel Calderón, Leonor Courtoisie, Andrea Davidovics, Mario Ferreira, Dahiana Méndez, Marianella Morena, Leandro Núñez, Coco Rivero, César Troncoso e Florencia Zabaleta;
Iluminação: Inés Iglesias;
Projeto Cênico: Daniela Reneé López;
Visuais: Miguel Grompone; Design de Som: Martín Pissano; Design Gráfico: Virginia Cabrera;
Imprensa e Divulgação: Beatríz Benech; Assistência de Produção: Thamara Martínez; Produção: Lucía Etcheverry.