Por Sandoval Matheus
Foto: Annelize Tozetto.
Com sete espetáculos no Teatro Universitário de Curitiba (TUC), de sexta-feira, 29, até domingo, 31, a Mostra Surda de Teatro é uma das grandes novidades da 32ª edição do Festival de Curitiba. Não é pra menos. É a primeira vez no Brasil que um evento dessa proporção, dedicado às artes, reserva uma fatia de sua programação aos talentos surdos.
“Essa mostra traz o orgulho surdo, o poder surdo. É um exemplo pro Brasil”, definiu o dramaturgo e diretor Jonatas Medeiros, durante entrevista coletiva na manhã de hoje, no Hotel Mabu. A tradução para o português da linguagem de sinais foi feita pelo produtor Felipe Patrício. “A comunidade surda também produz cultura e arte. A gente aprende com as pessoas ouvintes, e os ouvintes podem aprender com a gente.”
Veja a programação completa no Guia do Festival, a partir da página 36: https://festivaldecuritiba.com.br/guia-online-32o-festival-de-curitiba/
“Não temos ainda muitos espaços de circulação, de exibição. Ficamos restrito a associações de surdos, escolas de surdos, espaços para surdos”, reclama Jonatas. “É necessário ter esses locais mais amplos de visibilidade, de circulação da arte surda.”
A Mostra Surda de Teatro contará com a participação de artistas de estados como Amapá, Pernambuco, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul. “E pra assistir, tem gente vindo do Brasil inteiro”, destaca.
De acordo com a atriz Rafaela Hoebel, o teatro surdo é uma modalidade das artes cênicas muito ligada ao teatro físico, ao teatro de mímica, ao aspecto visual. “Se as pessoas ouvintes têm a voz, o corpo é o que carrega pra nós, pessoas surdas, toda a emoção”, explica. “Por isso, os espetáculos são perfeitamente compreensíveis também pras pessoas ouvintes. Elas se emocionam muito.”
Calcula-se que hoje o Brasil tem uma população de cerca de dez milhões de surdos, 38 mil apenas na cidade de Curitiba.
“As pessoas surdas existem desde que o mundo é mundo. A surdez não é uma novidade”, observa Jonatas. “A novidade é o conceito de deficiência, que é uma invenção da modernidade. Mas essa diversidade de corpos, de experiências, sempre existiu.”
“O que vocês entendem como deficiência, eu posso entender como eficiência. Enquanto vocês sofrem com o barulho, eu durmo em paz”, brinca Rafaela, antes de completar: “Nós não vivemos no absoluto silêncio. Meu mundo é cheio de cores e vibrações. Se você chegar em casa, ligar a TV e botar no mudo, vai entender melhor.”
Entre as dificuldades encontradas por essa população para fazer arte, Jonatas cita os entraves que os surdos encontram para acessar políticas culturais, apesar de a língua de sinais ser reconhecida por lei desde 2002 como meio legal de comunicação e expressão. “Ela tem o status, mas não o reconhecimento na prática”, pondera. “Toda a estrutura burocrática, os editais de cultura, são em língua portuguesa. É claro que as pessoas surdas sabem português, mas ele é nossa segunda língua. Quem tem uma segunda língua, entende a dificuldade”, continuou.
“Na Lei Paulo Gustavo, havia cotas para pessoas com deficiência, mas cadê a língua de sinais? Os surdos não falam língua portuguesa. Eles têm um outro repertório, uma outra visão de mundo.”