Por Sandoval Matheus
A atriz Amanda Acosta, que encarna Carmen Miranda. Foto: Annelize Tozetto.
O diretor Kleber Montanheiro pensou pela primeira vez em montar um musical em tributo a Carmen Miranda enquanto dava uma aula. A turma era jovem e, enquanto Kleber falava sobre o gênero do teatro de revista, citou a atriz e cantora. Uma aluna interveio: “Eu sei quem é, uma americana bem louca, com frutas na cabeça”.
O mestre ficou um tanto decepcionado. Apesar do sucesso que fez nos Estados Unidos, Carmen Miranda era uma portuguesa que chegou ao Brasil com menos de um ano de idade e se tornou um ícone nacional. A definição “bem louca” também estava longe de fazer jus à personagem. “Eu fui pra casa e comecei a escrever o projeto. Essa história é do tipo que a gente não pode esquecer”, contou ele durante entrevista coletiva na manhã desta quarta-feira, 03, no Hotel Mabu.
O resultado foi o espetáculo “Carmen, a Grande Pequena Notável”, que tem duas sessões a partir de hoje no Teatro Positivo.
Para a pesquisa, Kleber começou relendo a já clássica biografia lançada por Ruy Castro em 2005, mas optou por basear a montagem em outra obra, das escritoras Heloisa Seixas e Julia Romeu, que descobriu algum tempo depois.
“Eu gostei muito do livro da Heloisa e da Julia, porque é muito simples e direto, resume muito bem a história. Ao contrário, o livro do Ruy é muito mais detalhista, completo, deve ter informação lá que nem a Carmen sabia”, brinca. “Entregar no palco uma história como essa nos mínimos detalhes é uma covardia com o público”
A vida intensa de Carmen Miranda poderia facilmente render uma peça de quatro horas de duração, mas o diretor queria algo mais comedido. “Carmen, a Grande Pequena Notável” tem pouco menos de 1h30, e mesmo assim cobre quase toda a vida da luso-brasileira, desde do desembarque no Brasil até a morte, em 1955, em Los Angeles. “A brincadeira é fazer o público sentir vontade de saber mais, pesquisar. Nosso espetáculo é só o ponto de partida.”
Quem acabou escalada para o papel da protagonista foi a premiada atriz Amanda Acosta, que na mesma época também estava encarnando nos palcos outro símbolo da cultura brasileira: Bibi Ferreira. “Eu confesso que fiquei um pouco aflita. Até pela cobrança que viria, aquela coisa de ‘será que ela dá conta’. Eram duas biografias seguidas, de duas artistas incríveis”, observa. “Eu nunca disse isso pro Kleber, mas por um milésimo de segundo pensei em não fazer.”
O prazo era apertado, com apenas 28 ensaios antes da estreia. “Eu danço com uns saltos enormes no palco. Teve um tempo que eu andava com eles em casa, fazia os olhares da Carmen na rua. A gente não tinha muito tempo, e eu tinha que fazer”, lembra. “Não é só representar. É preciso sentir o prazer de todo aquele gestual dela, do registro, da vibração. Deixar a minha força surgir dentro dessa construção. Até pro público também poder sentir essa satisfação.”
Nem tudo, no entanto, foram flores, satisfações e frutas coloridas na vida de Carmen Miranda. Desde muito jovem tendo que cumprir uma agenda extenuante, a cantora e atriz ficou dependente de uma miríade de medicamentos – barbitúricos, calmantes, estimulantes – e morreu jovem, aos 46 anos, enquanto uma festa acontecia no andar de baixo de sua casa em Baverly Hills – e apenas algumas horas depois de ter se apresentado num programa de TV.
“É uma questão nossa, como artistas, que o público desconhece”, aponta Amanda. “Muitas vezes a gente está morto na coxia por causa das coisas da vida, e precisa fazer uma apresentação. Você entra no palco, e ninguém imagina que na coxia tinha alguém te carregando.”