A contrabaixista Juma Passa, uma das responsáveis pelo som do musical “Brenda Lee e o Palácio das Princesas”, em cartaz no Mostra Lucia Camargo do Festival de Curitiba, estava financeiramente quebrada antes de ser convidada para fazer parte da equipe do espetáculo. “É primeira vez que estou falando disso assim, publicamente, mas no dia em que me chamaram, minha conta bancária bateu no zero. Eu não tinha dinheiro nem pra pagar o aluguel, nem pra comer.”
A revelação foi feita durante coletiva de imprensa na Sala Jô Soares, no Hotel Mabu, quartel-general da organização do Festival de Curitiba.
“Depois desse musical, minha vida melhorou, agora eu tenho inclusive outros trabalhos. Mas a nossa peça funciona também como uma denúncia: por que só eu? Todas nós precisamos de mais oportunidades.”
Assim como todo o elenco de “Branda Lee”, Juma Passa é travesti. O musical conta a história de uma militante transexual pernambucana que, no auge da epidemia de aids dos anos 80, estabeleceu uma casa para acolher as vítimas da doença, então praticamente uma sentença de morte.
A pequisa para o texto foi difícil e trabalhosa, já que atualmente existem poucos registros disponíveis sobre o trabalho de Brenda Lee. “Mas se o Brasil hoje é referência no combate ao HIV, pode ter certeza que a gente deve muito disso a ela”, garante Olivia Lopes, uma das seis intérpretes transexuais que sobem ao palco.
Por sua atuação em “Brenda Lee e o Palácio das Princesas”, a atriz Verônica Valenttino ganhou recentemente o Prêmio Shell. Em 33 anos, ela foi a primeira transexual a levar a honraria. Para preservar a voz, no entanto, Verônica preferiu não participar da entrevista.
“Quando a Verônica levantou aquele troféu, naquele lugar, não foi só por ela, mas por todas nós, por todas as travestis do Brasil”, observou a colega Leona Jhovs “É como se ela estivesse dizendo: ‘dessa vez a gente entrou aqui e não vai mais sair’. A gente quer acreditar que a história está mudando a partir desse trabalho. É com muita honra e muita responsabilidade que somos as primeiras.”
É a primeira vez também da atriz Tyller Antunes, que tem apenas 18 anos, em um festival de teatro. Ela torce para, no futuro, poder trazer para cá também outros tipos de história. “Muitas vezes, no mercado artístico, me vejo cerceada. Nossa vida, a vida das travestis, é muito mais do que só sofrimento. Eu quero contar também histórias de travestis que não envolvam apenas a nossa tragédia cotidiana”, sugere.
Ao mesmo tempo, ela não tem ilusões sobre as dificuldades imposta pelo mundo às transexuais. “É 2023, e a gente continua andando na rua com medo de morrer. Eu preciso sempre me preparar muito psicologicamente antes de simplesmente ir ao mercado, ir ao ponto de ônibus”, reclama.
“Por isso, a gente precisa entrar com os dois pés na porta, mas sempre da melhor forma possível. E de preferência com a unha feita”, brinca ela.
Devido à alta procura, “Brenda Lee e o Palácio das Princesas” ganhou uma sessão extra na segunda-feira, 3, às 16h30, no Teatro Zé Maria. A entrada para transexuais foi gratuita.
Por Sandoval Matheus – Agência de Notícias do Festival de Curitiba