O “duelo da Amazônia”, entre os bois Garantido e Caprichoso, tem mais de cem anos de história e já forçou até a Coca-Cola a mudar sua logo

Por Sandoval Matheus

Maior rivalidade da Amazônia brasileira, os bois Garantido e Caprichoso desembarcam pela primeira vez no sul do Brasil na próxima segunda-feira, 25, no Teatro Positivo, na abertura do 32º Festival de Curitiba, como parte da programação da Mostra Lucia Camargo. Para quem vive na capital do Paraná, é um privilégio, daqueles que às vezes demoram mais de três décadas pra dar as caras.

Em 2015, o Festival Folclórico de Parintins foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. A festa tem mais de cem anos e é uma miscelânea de tradições indígenas, europeias e africanas. Ou seja, uma dessas coisas que fazem o Brasil ser o Brasil.

No Festival de Curitiba, a primeira noite de apresentação será apenas para convidados, mas outras duas sessões, nos dias 26 e 27 de março, estão com entradas à venda. Os ingressos estão disponíveis por meio do site www.festivaldecuritiba.com.br, ou na bilheteria física oficial localizada no ParkShoppingBarigüi (piso térreo).

A Mostra Lucia Camargo é apresentada por Banco do Brasil, Sanepar e Tradener – Comercialização de Energia, com patrocínio de EBANX, Banco CNH Industrial e New Holland, ClearCorrect, Copel – Pura Energia, Brose, UNINTER e GRASP.

E pra garantir que ninguém faço feio nas rodinhas de conversa, contamos abaixo um pouco da história da maior festa popular do norte do país.

1) A tradição do boi-bumbá amazônico tem origem, na verdade, em outra região do país, mais especificamente no Maranhão, onde é mais conhecido como bumba-meu-boi. A brincadeira foi levada até a ilha de Parintins no início do século 20, por trabalhadores nordestinos que migraram no auge do ciclo da borracha. Em 1913, surgiram os bois Garantido (vermelho) e Caprichoso (azul), que de início faziam apenas pequenas apresentações nas ruas da cidade. Com o tempo, o folguedo se popularizou e foi incorporando lendas e rituais indígenas.

2) A primeira edição do Festival de Parintins aconteceu em 1965, organizado por um grupo de amigos da Juventude Alegre Católica, para arrecadar fundos para a construção da Catedral de Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Parintins. No primeiro ano, 22 quadrilhas (grupos de dança) se apresentaram, mas ainda sem a presença dos bois, que foram incorporados em 1966, dando início à rivalidade.

Em 1988 foi construído o Bumbódromo, uma arena com capacidade para cerca de 25 mil pessoas, que passou a abrigar o espetáculo.

3) A rivalidade entre os bois Garantido e Caprichoso é pior que Atletiba. A ilha de Parintins é dividida em duas. Hoje não há violência, mas houve um tempo em que andar de azul no território vermelho, ou de vermelho no território azul, era mais do que perigoso. O antagonismo é tão profundo que suga para o seu vórtice até símbolos universais e inabaláveis do capitalismo: Parintins é o único lugar do mundo onde as tradicionais latas vermelhas da Coca-Cola aparecem também em azul.

4) No Bumbódromo, a história encenada todos os anos (de maneiras diferentes) pelos bois Garantido e Caprichoso gira em torno da lenda de um casal de escravizados, Mãe Catirina e Pai Francisco. Reza o folclore que Mãe Catirina, grávida, sentiu um forte desejo de comer língua de boi, o que levou o marido a sacrificar o melhor animal do rebanho de seu senhor. Acabou jurado de morte pelo fazendeiro. Um pajé, no entanto, teria conseguido ressuscitar o boi, salvando de quebra o pescoço de Pai Francisco.

5) O Festival Folclórico de Parintins acontece sempre na última semana do mês de junho, dura três noites e, em 2023, movimentou quase R$ 150 milhões. No período, a população da ilha costuma dobrar – mesmo com os únicos acessos sendo de avião e de barco (nesse caso, depois de 36 horas de viagem a partir de Manaus). A cada noite, os bois são avaliados por uma comissão de nove jurados, selecionados em vários estados do Brasil.

O diretor teatral Luiz Antonio de Pilar já foi um desses avaliadores. “Tudo é levado muito a sério. Os juízes ficam isolados, justamente pra não serem influenciados. Mesmo assim, teve quem não gostou das minhas notas. Quando saí de lá, estava recebendo umas mensagens duras, dizendo pra nunca mais voltar.”

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