A atriz é a protagonista, ao lado de Reynaldo Gianecchini, de peça inspirada no cultuado filme de 2004, e que está em cartaz no Festival de Curitiba

Por Sandoval Matheus

O elenco de “Brilho Eterno” presente na Sala de Imprensa Ney Latorraca. Foto: Annelize Tozetto.

As desilusões amorosas podem ter a força de um motor a combustão. Não raro, elas movem os pistões da humanidade. E foi justamente uma paixão mal resolvida – dessas que a gente tem ciúme, se encharca de perfume, faz que tenta se matar – que fez o diretor Jorge Farjalla querer refilmar um clássico recente do cinema, “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” (2004), de Michel Gondry, filme com Jim Carrey e Kate Winslet nos papéis principais.

Obter os direitos do roteiro de Charlie Kaufman – um romance meio ficção científica que trata das vicissitudes do amor –, no entanto, se provou uma tarefa impossível, e a saída pra não abandonar o projeto foi apostar numa livre adaptação, agora para o teatro. “O filme marcou a minha geração, e eu fiquei pensando como podia fazer uma homenagem a ele. Afinal, quem aqui já não sofreu por amor?”, perguntou na manhã deste sábado, durante entrevista coletiva na Sala de Imprensa Ney Latorraca.

A peça, estrelada por Tainá Müller e Reynaldo Gianecchini, usa a obra cinematográfica apenas como inspiração e faz alterações na trama. No palco, a clínica de apagamento de memória do enredo original, por exemplo, se transforma em três figuras quase mitológicas, semelhante a corvos, os “doutores LSD”.

A inspiração para o visual veio durante a epidemia global de covid-19, por meio das notícias que recuperavam o comportamento da população durante a peste negra (século 14). À época, as pessoas usavam máscaras que lembravam bicos de pássaros, preenchidas com serragem, tudo para evitar o “cheiro da morte”. Os nomes dos personagens principais também foram alterados: de Joel e Clementine, na película, para Jesse e Celine na nova versão.

“O amor é também como uma doença”, esclarece Farjalla. “Ele nos deixa infantilizados diante de certas coisas, nos tira do eixo. E poderia ser qualquer um de nós vivendo aquela história.”

Uma mudança substancial diz respeito à protagonista feminina, vivida pela atriz Tainá Müeller, da série “Bom Dia, Verônica”, que ganha mais peso e vontades na história. “Quando revi o filme, me dei conta de que um dos problemas é que o Joel era um cara fechadão, que não conseguia demonstrar sentimentos, e ficava julgando a Clementine por gostar de sair e beber”, criticou.

O espetáculo teatral avança um pouco mais na questão. “Na peça, sou uma mulher sexualmente livre que perturba não só o Jesse, como a plateia”, explica. “E o quanto estamos dispostos a aturar uma mulher livre? No palco, a Celine ganhou a possibilidade de ser sujeito. Ela não é mais apenas o elemento perturbador que vem pra bagunçar a vida do homem complexo.”

Livre, mas não perfeita, como Tainá mesmo faz questão de destacar. “Em alguns momentos, você se pergunta: mas ele não vai fazer nada? À parte todas as pauta identitárias, que são importantes, todos somos humanos, temos buracos e defeitos.”

O elenco da montagem também conta com Wilson de Santos, Renata Brás, Tom Karabachian e Fábio Ventura. Fábio perdeu recentemente a mãe, e se mostrou mais interessado em discutir outras formas de amor. “É uma dor dilacerante, e eu com certeza contrataria os serviços daqueles três doutores, se pudesse”, disse, visivelmente emocionado.

Tainá completou: “O preço do amor é o luto. Pra você experimentar o amor, vai ter que experimentar o luto. E quanto maior o amor, maior o luto”. Inclusive, do amor romântico.

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