Por Sandoval Matheus
Quem assistiu na noite de terça, 26, à primeira sessão de “Todas as Coisas Maravilhosas”, peça em cartaz na Mostra Lucia Camargo, saiu impressionado não só com o texto dos britânicos Duncan Macmillan e Joe Donahue – que trata de temas sombrios como depressão e suicídio de uma maneira que sublinha as coisas boas da vida –, mas também com a forma como o ator e protagonista Kiko Mascarenhas consegue manejar a plateia, que desempenha um papel fundamental no decorrer da história.
É que “Todas as Coisas Maravilhosas” não depende só de Kiko para ser bem-sucedida no palco. Precisa, também, que o público tope entrar no jogo e ajudar a desenrolar o enredo. E se no início os curitibanos presentes no Teatro Zé Maria se mostraram um tanto arredios, pouco tempo depois tinham embarcado de mala e cuia na proposta. O segredo?
“Eu sei o quão difícil pode ser para as pessoas aceitarem participar de uma peça interativa. A gente sempre é levado a crer que vai ser constrangido, exposto ao ridículo”, ponderou Kiko na manhã desta quarta, 27, durante entrevista coletiva no Hotel Mabu, poucas horas antes da segunda apresentação do espetáculo. “Então, se existe algum segredo, é que eu me coloco de uma forma muito acolhedora com a plateia. É uma interação sempre muito respeitosa.”
Funciona tão bem que, a partir de determinado momento, o auditório chega a se mostrar até mesmo ansioso por participar. “Ontem à noite, na cena em que uma moça da plateia pede o meu personagem em casamento, eu ouvia gente dizendo ‘aceita, diz sim logo’”, conta o ator. “Uma hora, todo mundo percebe que está no mesmo jogo, num lugar de segurança, de confiança.”
“A mágica é que o Kiko se coloca como ator ao lado, e não acima do público, inatingível. Ele não usa o espectador como objeto”, argumenta o diretor Fernando Philbert. “É um pouco arriscado. Pra fazer isso, você precisa ter um grande amor pela plateia.”
Responsável pela adaptação do espetáculo para o português, o dramaturgo Diego Teza atribui a adesão do público também ao texto, que inclusive faz exigências técnicas para nivelar intérprete e audiência. “É um pedido dos autores no próprio texto, por exemplo, que ator e plateia estejam sob o mesmo foco de luz, para eliminar as diferenças entre as partes”, explica, antes de continuar: “O tema é o suicídio, mas na verdade é uma peça sobre esperança. Sobre como você consegue continuar caminhando mesmo em momentos de desespero.”
O diretor concorda: “É uma dramaturgia que desarma as pessoas. Eu sempre tenho a impressão de que depois de assistir a essa peça, alguém sai e vai procurar ajuda, um amigo pra conversar”.
Para Kiko, que em “Todas as Coisas Maravilhosas” desenvolveu o hábito de ficar junto aos espectadores mesmo depois que a encenação termina, conversando com todos até que o último decida ir embora, a singeleza da obra tem poder curativo. “Nesses momentos, eu sempre ouço coisas muito fortes. De gente que perdeu um amigo que decidiu tirar a própria vida. Ou que tem um familiar que está lidando com a depressão. A pessoa se sente confiante pra se abrir. E eu estou lá pra dar um abraço.”
Uma pequena recompensa, digamos assim, para quem está completando 40 anos de carreira. “Olhando daqui, parece imenso, mas passou rápido”, diz. “É lindo chegar a esse ponto. Eu sempre esperei por isso. No início, a gente tem muitas dúvidas. Hoje, eu tenho pequenas certezas. A certeza de que não tomei o caminho errado, de que estou no lugar em que eu gostaria.”